O que é a cranioestenose? O que é escafocefalia? Quando operar? Quando não operar? Aprenda tudo sobre esse tema e tire suas dúvidas com o texto abaixo.
Cranioestenose é uma doença do crânio do bebê, onde ocorre um fechamento precoce de uma ou mais suturas cranianas… Mas o que isso significa?
O crânio na verdade não é um bloco único de osso. Ele é formado por “bloquinhos” menores de osso que são unidos entre si por uma espécie de tecido fibroso chamado de suturas. Existem ainda dois “intervalos” maiores que formam as fontanelas anterior e posterior, chamadas popularmente de “moleira”. As suturas cranianas estão presentes para ajudar na modelagem da cabeça durante o parto e também da cabeça em crescimento. Elas funcionam como “áreas de expansão” que permitem que o cérebro possa crescer dentro do crânio. As suturas normalmente desaparecem, colando um “bloco” de osso a outro, após o término do crescimento do cérebro. No entanto, em alguns casos elas se juntam antes do tempo, provocando as alterações no formato da cabeça – neste caso temos uma doença – a cranioestenose!
Neste texto vou falar sobre a escafocefalia, que é um tipo específico de cranioestenose onde uma sutura do crânio é fechada antes do tempo – a sutura sagital, que fica localizada no meio da cabeça. Existem outros tipos de cranioestenoses, caso você queira saber mais detalhes sobre esta doença clique aqui para acessar um texto mais completo falando sobre causas, tipos e tratamentos de cranioestenoses.
Vamos então explicar melhor – o que é a escafocefalia?
A escafocefalia, também conhecida como dolicocefalia, ocorre como já foi dito pelo fechamento precoce da sutura sagital. Esta sutura corre de frente para trás no topo/meio da cabeça, ligando sobretudo os dois ossos parietais, que estão localizados na lateral mais superior do crânio. Veja a figura abaixo.
Esta sutura em condições normais pode começar a se fechar por volta dos 2 anos de idade, mas um fechamento significativo é visto a partir de 20 anos de idade geralmente. O fechamento completo pode nunca ocorrer ou ocorre em adultos entre 30-50 anos de idade.
Quando esta sutura se fecha antes do tempo ela impede que os ossos parietais se afastem, impedindo o crescimento lateral do crânio de forma adequada. Isso impacta diretamente no formato do crânio que estas crianças apresentam – que aliás pouco se fala, mas podem variar consideravelmente. Vamos falar sobre isso mais adiante.
É verdade que a escafocefalia é comum?
Sim, a escafocefalia é a cranioestenose mais comum. Dentre as cranioestenoses, o envolvimento de uma única sutura, como na escafocefalia, é mais comum que de múltiplas. A incidência desta cranioestenose é de aproximadamente 1 em cerca de 2.000 bebês nascidos vivos, correspondendo a cerca de 53% a 60% dentre todos os tipos.
É interessante ressaltar que, embora não saibamos o motivo, a escafocefalia afeta predominantemente bebês do sexo masculino, aproximadamente 80%, com uma proporção homem-mulher de 3,5 para 1.
Por que ocorre a escafocefalia?
Existem diversas teorias para ocorrência de cranioestenoses, que você pode ler no texto mais completo sobre esta doença clicando aqui.
Especificamente sobre a escafocefalia sua etiologia específica ainda não é completamente compreendida, mas sabemos que a maioria dos casos é esporádica, ou seja, ocorre em famílias mesmo sem histórico de cranioestenoses prévias. Muitos fatores foram estudados e implicados, e incluem mutações genéticas, síndromes metabólicas e hematológicas, medicações, tabagismo materno e idade paterna avançada. Provavelmente a escafocefalia ocorre por um somatório de diversos destes fatores citados.
Já foram descritas mais de 100 mutações associadas à craniossinostose não sindrômica. A mutação mais comum e mais estudada é o gene 1-3 dos fatores de crescimento de fibroblastos (FGFR). Na craniossinostose sagital, a mutação mais comum está no gene SMAD6. Outras mutações associadas estão nos genes TWIST1, TCF12, ERF, MSX2. No entanto, apenas em alguns casos, as mutações são identificadas.
Algumas escafocefalias podem estar ligadas às síndromes genéticas abaixo:
- Síndrome de Apert
- Síndrome de Beare-Stevenson
- Síndrome de Crouzon
- Síndrome de Jackson-Weiss
- Síndrome de Muenke
- Síndrome de Pfeiffer
Existem também casos de escafocefalia secundária (cranioestenose secundária) a algumas outras doenças que podem causar o fechamento precoce desta sutura. Veja abaixo:
- Hipertireoidismo
- Hipercalcemia
- Osteodistrofia renal
- Hipofosfatemia / Hipofosfatemia ligada ao X
- Deficiência de vitamina D
- Anemia falciforme
- Talassemia
- Policitemia vera
- Microcefalia
- Prematuridade
- Hidrocefalia com colocação de derivação (exemplo: DVP)
- Síndrome de Morquio
- Síndrome de Hurler
- Deficiência de beta-glucuronidase – Doença de Sly
- Mucopolissacaridose
- Mucolipidose III
- Deficiência de 1-alfa hidroxilase
- Teratógenos (fenitoína, ácido valpróico, ácido retinóico, aminopterina)
- Pseudo-hipoparatireoidismo
- Osteopetrose
Como desconfiar se o bebê pode ter escafocefalia?
O que mais ouvimos no consultório como especialistas é que os pais costumam reclamar que desde o nascimento a cabeça do bebê é “estranha”. Alguns relatam que é muito estreita, comprida, que tem um “bico” atrás, ou que a “testa” é estreita, com uma “entrada” aprofundada da lateral acima dos olhos. Frequentemente notaram que a deformidade continua a piorar à medida que a cabeça da criança continua a crescer. Os pais também costumam relatar que a criança não consegue deitar com a cabeça reta para trás, só dormem com a cabeça de lado.
Em alguns casos pode haver relatos que o crânio está “crescendo” mais do que o normal. Ao contrário do que muitos pensam nas cranioestenoses o tamanho da circunferência do crânio (perímetro cefálico – PC) está dentro ou acima do normal. Casos muito raros e específicos terão o PC abaixo do normal esperado para idade.
Pode ser que os pais notem também uma elevação no topo da cabeça, uma espécie de ondulação, onde deveria ser a sutura sagital aberta, que normalmente é palpada como um “intervalo” ou leve depressão entre os ossos parietais.
Caso haja qualquer uma destas alterações com esta suspeita, o bebê deve ser avaliado o mais breve possível por um neurocirurgião pediátrico.
O que um especialista verá na consulta de um bebê com suspeita de escafocefalia?
A observação clínica é essencial. Costumo dizer que quando o bebê entra na sala de espera, nós como neurocirurgiões pediátricos já levantamos a suspeita desta doença pelo formato característico do crânio.
Um exame físico mostrará a cabeça alongada e uma crista óssea palpável no vértice da cabeça, onde seria a sutura sagital normal. A medição da cabeça deve ser feita com craniômetro e mostra uma dimensão ântero-posterior aumentada, geralmente com índice cefálico (cálculo feito a partir das medidas do crânio do bebê) abaixo de 76.
A dimensão bilateral é encurtada, produzindo estreitamento biparietal e bitemporal. Saliências frontais (“testa do bebê”) e occipitais (“bico” na parte de trás da cabeça) proeminentes podem ser observadas. Não há anormalidades visíveis das órbitas ou da face na craniossinostose sagital não sindrômica.
O bebê é avaliado quanto a dificuldade respiratória. Em casos graves, a cabeça fica anormalmente flexionada quando deitado em decúbito dorsal, causando comprometimento das vias aéreas. Um exame oftalmológico deve ser recomendado para avaliar papiledema, que indicaria um perigoso aumento da pressão intracraniana.
Que exames devem ser pedidos para diagnóstico da escafocefalia?
Sempre que houver uma suspeita o especialista, o neurocirurgião pediátrico, deve ser consultado o mais breve possível. Geralmente costumo pedir aos pediatras que me encaminhem a criança para avaliação sem solicitar nenhum exame. Isso porque muitas vezes a cranioestenose é diagnosticada pelo especialista no exame físico conforme já falamos acima.
O exame padrão-ouro para o diagnóstico, a tomografia de crânio com reconstrução 3D, requer boa dose de radiação (que deve ser evitada em crianças). Por este motivo reservo apenas para casos que necessitem ser confirmados ou para o planejamento cirúrgico. Veja abaixo uma tomografia com reconstrução 3D normal, onde todas as suturas cranianas estão abertas e de fácil visualização…
Agora veja abaixo uma TC de crânio – reconstrução 3D de uma criança com escafocefalia… Vejam como é nítido que onde deveria haver a sutura sagital aberta não encontramos seu espaço e os dois ossos parietais estão unidos.
É muito importante ressaltar que um exame é fator de confusão frequente entre pais e pediatras: o ultrassom. Isto porque é muito frequente chegar ao meu consultório pais que realizarem um ultrassom transfontanela do bebê como exame para descartar a cranioestenose solicitado por um médico não especialista. Embora em alguns casos a fontanela (“moleira”) possa se fechar precocemente na escafocefalia isso não é regra, e o ultrassom transfontanela normal NÃO exclui o diagnóstico de cranioestenose.
Já um outro exame de ultrassom, o ultrassom do crânio com a finalidade de visualizar as suturas cranianas (USG de suturas cranianas) já foi demonstrado em diversos estudos como sendo um ótimo exame inicial para descartar a cranioestenose, sendo subutilizado neste contexto e desconhecido por muitos profissionais que não trabalham com crianças. Oferece excelente imagem de superfície estruturas com potencial para confirmar ou excluir a fusão das suturas do crânio (cranioestenose), evitando a exposição a radiação ionizante nos bebês. A “lacuna” normal de uma sutura aberta ou fechamento na craniossinostose pode ser claramente demonstrado com USG de crianças com menos de 12 meses de idade em cerca de 99% dos casos.
Duas considerações são importantes:
1- O USG classifica a sutura como: aberta, fechada ou indeterminada. Embora a sutura aberta avaliada por um radiologista com experiência neste exame praticamente exclua o diagnóstico de cranioestenose, se a sutura está fechada ou não pode ser determinada, este bebê deve ser imediatamente encaminhado ao neurocirurgião pediátrico para continuar a avaliação adequada.
2- O USG é um exame que depende muito da capacidade técnica e do treinamento do médico que o executa. Sendo assim, um médico sem experiência neste exame pode não conseguir visualizar as suturas e dar um diagnóstico adequado. Por este motivo, é importante quando a suspeita de cranioestenose é alta que a criança seja encaminhada para avaliação do neurocirurgião pediátrico mesmo com exame de USG demonstrando “suturas normais e abertas”.
Após o ultrassom, o ideal é que a tomografia de crânio seja indicada pelo neurocirurgião pediátrico na avaliação da criança, se ele realmente acreditar que a suspeita de cranioestenose é verdadeira e a tomografia for importante naquele momento para o bebê. A tomografia permite uma excelente análise principalmente nos casos em que o exame físico apresenta alterações muito sutis ou ainda quando há suspeita de fechamento de mais de uma sutura. Conforme já foi dito, ela é o “padrão ouro”, ou seja, o exame definitivo para confirmar ou descartar o diagnóstico desta doença.
Quais são os possíveis problemas que o bebê com escafocefalia pode ter? A escafocefalia é só um problema estético?
Muito se discute em relação às consequências neurológicas da cranioestenose simples, aquela causada pelo fechamento de uma única sutura craniana. Alguns estudos mostram que embora as crianças com cranioestenose tenham índices normais de inteligência, até 50% das crianças podem ter algum grau (mesmo que leve) de dificuldade de aprendizado. Há controvérsias se estas alterações leves seriam ou não revertidas com a cirurgia.
Em primeiro lugar a preocupação que um neurocirurgião tem com uma cranioestenose que não foi tratada cirurgicamente é com o potencial que a criança tem de desenvolver uma hipertensão intracraniana crônica. A intervenção tem, em primeiro lugar, que dar espaço para o cérebro crescer. Mas por que isso ocorre? É simples: o cérebro fica “contido” dentro da caixa craniana (crânio) que é formada de osso e não é nada flexível. Se essa “caixa” é pequena demais para o cérebro ele fica apertado e sua pressão aumenta: temos a hipertensão intracraniana! Como você pode imaginar, o problema é muito mais frequente quando temos aquelas cranioestenoses complexas, onde várias suturas estão fechadas ao mesmo tempo e o crânio tem mais dificuldade de crescer.
No entanto, mesmo a escafocefalia sendo uma cranioestenose simples (sutura única fechada) ela também pode ter aumento da pressão intracraniana. Na fusão prematura de sutura única, a pressão intracraniana elevada ocorre em aproximadamente 11% dos casos. Na craniossinostose sagital, esse valor pode chegar a 44%!!!
Por isso é tão importante desde o princípio que o neurocirurgião pediátrico seja responsável por diagnosticar e acompanhar este bebê. Veja a figura onde foi medida a pressão intracraniana de uma criança com cranioestenose que foi operada apenas aos 2 anos de idade (atraso no diagnóstico). O esperado seria até cerca de 5mmHg, e o monitor mostra um aumento de pressão indicando 21mmHg.
Os maiores problemas da hipertensão intracraniana crônica são: dores de cabeça frequentes, perda visual progressiva e dificuldades de aprendizado. O neurocirurgião avaliará a criança através de seu exame físico, história e exames de imagem para detectar se a criança pode estar sofrendo desse problema. Nesses casos a correção da cranioestenose passa a ter uma urgência de correção muito maior.
Estudos de longo prazo demonstraram que pacientes com craniossinostose sagital e outras craniossinostoses não sindrômicas apresentam dificuldades nos domínios cognitivo, de linguagem e motor, com déficits neuropsicológicos leves na primeira infância. Isso ocorre mesmo na ausência de aumento comprovado da pressão intracraniana. Um estudo mostrou incapacidade de leitura e/ou ortografia em até 50% dos pacientes e 39% deles apresentaram algum grau leve de problemas cognitivos e de fala. No entanto, os pacientes com craniossinostose sagital têm menos probabilidade de apresentar problemas cognitivos e de fala do que qualquer outro tipo de craniossinostose, com faixa normal de inteligência. E embora uma revisão sistemática mostrou que pacientes operados por craniossinostose sagital apresentam risco aumentado de desenvolver estes distúrbios leves de aprendizagem, não há evidências suficientes comparando diferentes técnicas cirúrgicas e idade de cirurgia em relação aos resultados cognitivos e neurológicos.
Existem formatos diferentes de crânio para crianças com escafocefalia? Todas as escafocefalias são iguais?
Não, nem todas as escafocefalias são iguais. Existe grande variabilidade de formato do crânio e de gravidade e por isso também temos resultados cirúrgicos tão diferentes.
Em primeiro lugar no momento da cirurgia as crianças apresentam índices cefálicos diferentes. Quanto menor o índice cefálico mais “comprida” é a cabeça da criança, mais grave a deformidade do crânio e consequentemente mais difícil é a correção com a cirurgia. A melhora estética depende então não só da cirurgia (técnica cirúrgica), mas também da idade da criança e do grau de alteração no formato do crânio existente no momento da cirurgia.
Em segundo lugar sabemos que existem diferentes “formatos” de escafocefalia. Uma classificação proposta em um artigo científico de 2009 demonstra 4 subtipos:
- Tipo anterior – apresenta uma “faixa de constricção” retrocoronal transversal, fazendo com que a criança geralmente fique com a fronte (“testa”) estreita.
- Tipo central – tem uma crista sagital proeminente com grande estreitamento biparietal.
- Tipo posterior – tem um occipício especialmente proeminente (“bico” proeminente na parte posterior da cabeça). Pode ser que a criança apresente uma fronte proeminente compensatória.
- Tipo complexo – inclui aqueles pacientes nos quais uma única característica dominante não está presente.
Neste estudo a incidência e prevalência de cada tipo foi a seguintes: anterior, 13/24%; central, 16/29%; posterior, 19/35%; e complexo, 7/13%. A causa para estas diferentes manifestações da doença acredita-se que estão relacionados a pontos heterogêneos de fusão inicial. Ou seja, isso teria relação com qual parte da sutura sagital fechou primeiro. Você pode acessar o artigo de referência clicando aqui.
É importante um especialista conhecer as nuances acima pois isso pode nos ajudar a individualizar a intervenção cirúrgica para otimizar o resultado clínico.
Quando operar a escafocefalia (com que idade)? Por que é preciso fazer a cirurgia para correção de cranioestenose?
A cirurgia é necessária não só devido a correção estética como, conforme já falamos acima, para prevenir a ocorrência de aumento da pressão intracraniana, entre outros problemas que podem ocorrer.
Há muita controvérsia de qual o melhor momento para realizar a cirurgia. O grande risco da cirurgia está relacionado a perdas sanguíneas que podem por em risco a vida do bebê durante o procedimento. Por este motivo não costuma-se realizar a cirurgia por nenhuma técnica em bebês com menos de 2-3 meses de idade (dependendo do peso da criança).
A idade máxima de cirurgia também é controversa. Não existe na realidade idade máxima, o que existe é a necessidade de se adequar as técnicas de acordo com a idade do bebê. De forma geral a cirurgia é preferível entre 3 e 9 meses de idade. É raro que os bebês venham a desenvolver graves complicações de escafocefalia se operados no primeiro ano de vida. Quanto mais velho (de idade) para cirurgia, maior teoricamente o risco de apresentar aumento da pressão intracraniana e de necessitar de uma cirurgia mais extensa de remodelamento craniano.
Como é a cirurgia de tratamento da escafocefalia? Quais os riscos da cirurgia?
Atualmente existem várias técnicas, que variam de acordo com a experiência e preferência do cirurgião, o formato do crânio e a idade que a criança for submetida a cirurgia.
As técnicas clássicas são as mais utilizadas e consagradas. Elas consistem em diversas osteotomias, ou seja, o cirurgião faz muitos cortes no osso em diversas direções: espirais (técnica Nautilus), margaridas, e linhas retas ou curvas. O objetivo e permitir uma nova “modelagem” intraoperatória do crânio do bebê. Depois que o neurocirurgião coloca o crânio na forma desejada ele fixa os fragmentos ósseos, geralmente com placas e parafusos absorvíveis deixando aberturas que funcionarão como “espaços” para o crânio crescer.
Essas cirurgias têm amplo descolamento do couro cabeludo e mobilização de segmentos ósseos do crânio, portanto, apresentam como principal risco de complicação a hemorragia. Como são crianças muito jovens (e pequenas), o sangramento durante a cirurgia pode tornar necessária muito frequentemente uma transfusão de sangue.
Nas técnicas clássicas, os bebês em geral já saem da cirurgia com um formato de crânio diferente. Porém não é necessário muitas vezes fazer 100% da correção das deformidades durante a cirurgia. Isso porque com a liberação da sutura que estava “presa”, o crânio crescerá em uma forma mais saudável dali em diante, sendo assim, com o passar do tempo ele também se “remodela” em parte sozinho.
Nas técnicas clássicas o cirurgião pode usar de diversos recursos cirúrgicos para corrigir a deformidade, modificando o modo de fazer os “cortes” no osso e reconstruir o crânio. Existem muitas formas técnicas de cortar e remontar o crânio para escafocefalia! O uso de cada uma vai de acordo com a experiência do cirurgião, idade da criança, grau de deformidade primária e secundária, bem como é claro o tipo de cranioestenose. Estudos científicos tem demonstrado uma equivalência de bons resultados independente da técnica cirúrgica utilizada.
Existem ainda outras técnicas que remodelam o crânio de forma diferente. Uma delas, frequentemente usada pela nossa equipe para casos selecionados é o uso de “molas” (tecnicamente chamados de indutores de transformação estrutural – ITE). Nesta cirurgia são feitos cortes estratégicos no crânio de acordo com um software de planejamento 3D e as molas são posicionadas para que o crânio ganhe mais espaço e aumente no sentido desejado pelo neurocirurgião pediátrico. Nesta cirurgia, a criança sai praticamente com o mesmo formato do crânio que entrou, e as molas vão induzindo o remodelamento natural do crânio com o passar dos meses. Em geral o tempo de permanência das molas no crânio varia de 3 a 12 meses em média. Esta técnica costuma ser reservada para crianças mais velhas e cranioestenoses complexas com fechamento simultâneo de múltiplas suturas do crânio (para saber mais sobre cranioestenoses complexas clique aqui)
Há ainda a técnica endoscópica, que deve ser preferencialmente realizada em bebês pequenos de 2-4 meses de idade e requer o uso de capacete posterior a cirurgia. Esta técnica foi realizada pela primeira vez em 2006, portanto, muitas crianças operadas estão chegando agora a idade de adultos jovens. Por este motivo, muitos especialistas ainda tem ressalvas quanto aos resultados de longo prazo por esta técnica.
A cirurgia da cranioestenose tem vários pontos de atenção, sendo necessário ter relativa experiência para ter sucesso e evitar complicações. É comum que nas cirurgias mais complexas, que envolvem remodelamentos e avanços que abrangem a face, a cirurgia seja realizada em equipe multiprofissional, que abrange neurocirurgiões pediátricos e cirurgiões plásticos especialistas crânio-faciais. Sou particularmente a favor de equipes multidisciplinares pois cada equipe leva o melhor de sua experiência e formação para garantir o bem estar da criança e o sucesso neurológico e estético da cirurgia.
Como é a cicatriz da escafocefalia? É preciso raspar todo o cabelo do bebê?
Esta é uma pergunta cuja resposta depende diretamente da técnica do cirurgião.
Existem cirurgiões que preferem cicatrizes retas, arqueadas, retas + semiarcos, zigue-zague, enfim… Em geral isso depende da sua formação e convicção técnica, pois não existe certo e errado neste sentido. Da mesma forma raspar ou tão uma quantidade maior ou menor de cabelo também vai depender do cirurgião.
Particularmente tenho preferência pela incisão em zigue-zague suave ou “lazy s“, e costumo retirar o mínimo necessário de cabelo, apenas para evitar que os fios se enrosquem nos pontos cirúrgicos. A criança costuma ter mais desconforto nos primeiros 2 dias da cirurgia, que é tratado com uso de analgésicos no hospital.
Você já ouviu falar do tratamento da escafocefalia com capacete?
Em primeiro lugar: nenhuma cranioestenose verdadeira deve a princípio ser tratada primariamente com capacete!!! Mas por quê? Porque o capacete não vai corrigir a sutura já fechada, isso só pode ser feito com a cirurgia, portanto não vai corrigir a deformidade da cabeça da criança.
Mas vale ressaltar que em alguns casos selecionados o neurocirurgião pode optar em indicar a órtese craniana para ajudar o remodelamento pós-operatório, dependendo da técnica cirúrgica utilizada. No caso da técnica endoscópica ele sempre costuma ser indicado. No entanto, não é rotina seu uso na técnica clássica e ela nunca é utilizada em conjunto com as molas.
Entretanto, existe uma outra situação chamada de escafocefalia posicional. Ela corresponde a um formato craniano semelhante a escafocefalia da cranioestenose, porém em geral mais leve. A escafocefalia posicional, faz portanto, diagnóstico diferencial com a escafocefalia verdadeira, que já explicamos anteriormente. Só que, no caso da posicional, apesar da forma alterada, a sutura sagital se encontra aberta. Por isso, nesses casos o tratamento geralmente é clínico, com mudanças posturais no berço e fisioterapia. Em alguns casos de deformidades cranianas mais graves ou quando não ocorre melhora significativa com o tratamento clínico, pode-se lançar mão do uso de “capacetes”, que vão ajudar no remodelamento craniano. Para saber mais sobre assimetrias posicionais clique aqui.
Quando procurar um neurocirurgião?
Sempre procure um neurocirurgião pediátrico o mais breve possível quando houver qualquer alteração no formato da cabeça de seu filho e a suspeita de cranioestenose. Isso permitirá o diagnóstico e tratamento precoces com melhor resultado estético.