Na cranioestenose há fusão prematura de uma ou mais suturas do crânio. Nas cranioestenoses complexas várias suturas se fecham simultaneamente!
A cranioestenose (craniossinostose) ocorre mais comumente como um defeito isolado. Nestes casos, temos as cranioestenoses chamadas de simples: escafocefalia, trigonocefalia, plagiocefalia etc. Se você quer saber sobre as cranioestenoses simples acesse aqui.
Já nas cranioestenoses complexas, temos mais de uma sutura craniana pode estar envolvida. Neste contexto se inserem ainda as cranioestenoses sindrômicas, que além de envolver várias suturas cranianas, estão relacionadas ainda a um conjunto maior de anomalias no corpo em decorrência da própria síndrome genética (para saber mais sobre cranioestenoses sindrômicas clique aqui).
Então, vamos falar um pouco sobre as cranioestenoses complexas e as principais diferenças e preocupações em relação ao seu tratamento, sobretudo quando comparamos com as cranioestenoses simples.
O que são cranioestenoses complexas?
Cranioestenoses complexas são todas aquelas que envolvem o fechamento simultâneo de mais de uma sutura no crânio (se você quer entender mais sobre o que significa o fechamento de uma sutura no crânio clique aqui para acessar o texto sobre cranioestenoses). São, como o próprio nome já diz, mais complexas e difíceis de tratar. Estas cranioestenoses podem aparecer como formas isoladas ou estarem relacionadas a síndromes genéticas.
Nem toda cranioestenose tem uma mutação genética conhecida identificável. Alguns exemplos de cranioestenoses complexas menos raras e que podem ou não estar relacionadas a síndromes são a braquicefalia (fechamento das duas coronais) e a cranioestenose “Mercedes-Benz”. Entretanto, diversas combinações são possíveis como fechamento da sutura sagital e uma coronal, sagital e uma lambdóide, etc.
Exemplo de cranioestenose complexa – CRANIOESTENOSE EM MERCEDES-BENZ (CRANIOESTENOSE SAGITAL + BILAMBDÓIDE)
Esta cranioestenose complexa foi descrita pela primeira vez em 1976 por Neuhauser em uma série de sete pacientes com fechamento das suturas sagital e lambdóide, baixa estatura e atraso no desenvolvimento. O termo síndrome “Mercedes Benz” foi cunhado por Moore em 1998 devido à aparência característica das suturas fundidas em imagens de TC tridimensionais (veja figura abaixo – mostrando as suturas fechadas e a semelhança ao logotipo que representa a marca Mercedes-Benz).
Esta cranioestenose é um distúrbio raro, resultando em dois formatos típicos principais: 1- formato longo: onde predomina a escafocefalia (crânio mais comprido); 2- formato curto: onde predomina um formato de braqui/turricefalia ou crânio relativamente normal em comprimento.
A restrição de crescimento localmente é sempre mais evidente na parte posterior do crânio, com a expansão secundária compensatória da fossa anterior manifestando um grau de protuberância frontal (a fronte da criança fica ampla e avantajada) A incidência desta cranioestenose é de 1,4%, dentre todas as cranioestenoses, sendo um distúrbio heterogêneo com formas sindrômicas, cromossômicas e isoladas. As anomalias associadas incluem a malformação de Chiari I (CM), hidrocefalia e anomalias venosas.
Embora a aparência de protuberância frontal possa levar a cirurgia inadvertida na região frontal, é indicada atenção à região occipital com expansão na parte posterior do crânio.
Que problemas crianças com cranioestenoses complexas podem ter?
Pacientes esta doença podem ter problemas comportamentais, visuais, e auditivos, dependendo da gravidade e número de suturas fechadas.
Todavia, é importante ressaltar que estes pacientes têm um alto risco de desenvolver hipertensão intracraniana (HIC), possivelmente devido à fusão prematura de múltiplas suturas do crânio associadas ao fechamento de sincondroses da base do crânio levando a uma desproporção entre o tamanho do cérebro e do crânio da criança. Outras causas possíveis são hipertensão venosa devido ao fluxo venoso prejudicado na base do crânio, problemas de circulação ou excesso de líquido cefalorraquidiano (LCR) e apneia obstrutiva do sono (AOS).
A hipertensão intracraniana nestas crianças costuma ser crônica, progredindo ao longo de anos se não for tratada. Ela pode levar a distúrbios no desenvolvimento da cognição e do comportamento. Além disso, a pressão intracraniana aumentada sobre os nervos ópticos pode causar perda visual, levando à cegueira.
Quais os principais objetivos do tratamento cirúrgico das cranioestenoses complexas?
1. Resolver a desproporção entre o tamanho do cérebro e o crânio – dando mais “espaço” para o cérebro se desenvolver e normalizando a pressão intracraniana.
2. Resolver anormalidades estéticas e funcionais do crânio.
3. Resolver problemas associados a anormalidade craniofacial – tais como: problemas respiratórios, apneia do sono, problemas de oclusão dentária etc.
Como e quando é feita a cirurgia das cranioestenoses complexas?
As cranioestenoses complexas não sindrômicas são um grupo muito heterogêneo de doenças. Sendo assim, o tratamento deve ser individualizado para cada paciente, sempre baseado na experiência de um time multidisciplinar, que deve incluir obrigatoriamente um neurocirurgião pediátrico e um cirurgião craniofacial.
De uma forma geral, o tratamento destas condições inclui mais de uma cirurgia (tratamento em múltiplas etapas), realizadas em idades diferentes. O primeiro procedimento costuma ser realizado dentro do primeiro ano de vida. Isto porque neste primeiro momento o neurocirurgião pediátrico está preocupado com a hipertensão intracraniana (HIC). O momento que este procedimento vai ser realizado dentro deste primeiro ano de vida do bebê depende disso. Se houver sinais diretos ou indiretos nos exames clínicos ou de imagem que a pressão intracraniana está aumentada, este procedimento pode ser realizado a partir de 4 meses de vida. Se não houver, ele costuma ser realizado por volta dos 6-8 meses de idade.
Já as cirurgias craniofaciais, que envolvem os avanços da face e da fronte, costumam ser mais tardios, recomendados para crianças a partir de 5 anos, para evitar riscos de novas recorrências e necessidade de mais de uma cirurgia. Entretanto, se a criança apresentar quadros respiratórios obstrutivos graves, proptose severa (olhos saltados para fora) ou algum outro sintoma importante o cirurgião craniofacial pode, em conjunto com o neurocirurgião, decidir antecipar este procedimento.
Como é feito a primeira cirurgia que costuma ser necessária para as crianças com cranioestenoses complexas? Quais são os riscos e as técnicas possíveis?
Existem duas formas básicas para resolver esta situação: a cirurgia clássica com remodelamento craniano e o tratamento com distratores internos (molas) ou externos.
Na cirurgia clássica o crânio é cortado para liberar a área envolvida com o fechamento das suturas, retirado e remodelado. Depois o neurocirurgião fixa novamente o crânio com placas e parafusos absorvíveis em uma nova posição, dando mais espaço para o cérebro. Esta cirurgia é bem aplicável para crianças menores de 1 ano e não é recomendada para todos os tipos de cranioestenoses complexas, a equipe deve avaliar caso a caso. Ela pode envolver a parte anterior ou posterior do crânio (veja na figura ao lado).
No entanto, uma alternativa a este procedimento é a colocação de distratores. Nossa equipe tem uma ampla experiência tanto com a técnica clássica quanto com o uso de distratores internos – molas (tecnicamente chamadas de indutores de transformação estrutural – ITE), sendo na nossa opinião, ambas técnicas válidas e muito eficazes, devendo ser analisado risco/benefício para cada criança. A vantagem das molas é que ela pode ser aplicada em qualquer idade e leva a um aumento e remodelamento progressivo do crânio que acompanha o crescimento da criança pelo período que elas são utilizadas.
Quando vamos realizar uma cirurgia com molas inicialmente realizamos um planejamento tridimensional, com a tomografia do paciente, em um software de reconstrução 3D. Conseguimos ver o melhor local de corte e implante destes dispositivos e estimar os efeitos que desejamos atingir no crânio. A cirurgia em si é menos impactante que a técnica clássica, uma vez que o osso não é descolado da dura-máter do paciente, apenas cortado, o que reduz em muito o tempo de cirurgia e o sangramento. Há ainda menor risco de falhas ósseas persistentes e as molas ficam embaixo da pele, sem nada exposto. A desvantagem é que o efeito das molas não é completamente previsível, pois depende das forças que ela e o próprio cérebro irão exercer para remodelar o crânio. Habitualmente as molas são retiradas após um período que varia de 3 a 12 meses.
As técnicas podem ainda ser combinadas, utilizando técnicas clássicas de reconstrução com as técnicas dinâmicas, tanto no mesmo, quanto em procedimentos cirúrgicos diferentes.
Como garantir que a pressão intracraniana da criança se normalizou?
Bom, não há como garantir os efeitos a longo prazo da cirurgia na pressão intracraniana, por isso o monitoramento realizado pelo neurocirurgião deve ser contínuo até que o crânio atinja o tamanho adulto (que tenha crescido tudo que devia crescer).
A pressão intracraniana (PIC) pode estar aumentada previamente a cirurgia em 15 a 20% das cranioestenoses simples e até 40% das cranioestenoses complexas. Além disso, existem diversos relatos científicos de cranioestenoses até mesmo simples, que tinham a pressão intracraniana normal na cirurgia, e após anos as crianças apresentaram aumento da PIC. Uma metanálise (estudo de revisão que analisa várias publicações científicas) demonstrou que a PIC pode estar aumentada em cerca de 5% de crianças após cirurgias de cranioestenoses simples (se tiver interesse veja o artigo científico original em inglês clicando aqui).
Por este motivo, é fundamental que o neurocirurgião acompanhe estas crianças, pois garantir a normalidade desta pressão é garantir que o paciente não terá problemas evitáveis no futuro. Existem diversas formas de acompanhar a pressão intracraniana:
1. Exames indiretos
São exames que analisam de forma indireta os efeitos do aumento da PIC. Como exemplos podemos citar: fundoscopia (avaliar papiledema), doppler transcraniano, LCR lombar com manometria, sinais indiretos de aumento da pressão intracraniana em tomografia ou ressonância de crânio (como Chiari, craniolacunias e “prata batida”). A limitação destes exames é que eles podem se alterar apenas em casos mais avançados (graves).
2. Exames diretos
Não existe ainda um exame padronizado e certificado que consiga mensurar diretamente a pressão intracraniana na criança de forma não invasiva. Na verdade, a forma direta de medir a pressão intracraniana é a implantação de um cateter intracraniano no cérebro que seja capaz de medir a pressão. Existem 2 tipos de cateteres:
a. Cateteres temporários – são os mais amplamente disponíveis no mercado. Eles podem ser usados para medir a pressão intracraniana durante a cirurgia, ou podem ficar implantados no crânio da criança por um curto período, ligados a um monitor em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Estes cateteres ficam “para fora” da cabeça da criança, por isso há risco de infecção e não podem ficar implantados por longos períodos.
b. Cateteres permanentes – embora não sejam “eternos” são chamados permanentes pois ficam implantados embaixo da pele da criança, podendo funcionar por 2 anos em média. Estes cateteres estão recentemente disponíveis no Brasil, e são conhecidos como cateteres monitores de PIC por telemetria. Eles são uma ferramenta muito válida para crianças com cranioestenoses complexas que a critério do neurocirurgião necessitem monitorização da PIC, podendo ser usados também em outras doenças neurocirúrgicas. Após a implantação em centro cirúrgico, na consulta do neurocirurgião, no próprio consultório, um leitor é apoiado no cateter e o monitor mostra a PIC e a curva da pressão intracraniana, que pode ser analisada diretamente pelo médico!
Se houver suspeita ou comprovação de aumento da PIC, o neurocirurgião pode propor uma nova cirurgia para a criança. Por este motivo, a vigilância do especialista é tão importante.
Quais são os riscos da cirurgia para cranioestenoses complexas?
Os riscos são em geral os mesmos que de uma cirurgia de cranioestenose simples, tais como: perdas sanguíneas importantes (hemorragias) e infecções. A questão é que por ser uma cranioestenose mais rara requer mais expertise da equipe que precisa manejar inclusive o acompanhamento posterior do paciente dado risco de aumento da pressão intracraniana.
Meu filho foi diagnosticado muito velho com esta doença – existe idade limite para cirurgia?
As cranioestenoses complexas não-sindrômicas podem deformar o crânio de uma forma mais “atípica”, bem diferente do que costumamos ver nas cranioestenoses simples clássicas. Deste modo, infelizmente, não é incomum o diagnóstico tardio. Muitas vezes os pais e médicos não especialistas acham o crânio da criança “esquisito” ou “diferente”, mas não conseguem reconhecer que estas alterações são de fato patológicas. Já tivemos em nossa clínica diagnóstico em crianças de 8 anos, que nunca foram tratadas, e começaram a apresentar com esta idade sintomas de aumento da pressão intracraniana que motivaram a consulta com o especialista.
Mesmo em idades mais avançadas existem técnicas cirúrgicas possíveis para aumentar o tamanho do crânio e tratar o aumento da pressão intracraniana, portanto, nunca é tarde para buscar o especialista.
Quando procurar um neurocirurgião?
Sempre procure um neurocirurgião pediátrico o mais breve possível quando houver qualquer alteração no formato da cabeça de seu filho e a suspeita de cranioestenose. Isso permitirá o diagnóstico e tratamento precoces com melhor resultado estético.